O que é ativismo societário ?

O que é ativismo societário ?

Eduardo Silva da Silva.

 

Guhan Subramanian. Talvez você nunca tenha ouvido falar dele. Mas ele foi a primeira pessoa na história a conseguir um feito: ser admitido como docente, simultaneamente, em duas das escolas mais prestigiosas da Universidade de Harvard: a de Direito (HLS) e a de Administração (HBS).

Ele também é um dos grandes nomes mundiais, atualmente, sobre o tema do “ativismo societário” (Shareholder Activism). E, se você tem ações, investe no mercado de capitais ou possui expectativa de receber benefícios oriundos de algum Fundo de Pensão, este assunto lhe interessa e muito.

A própria expressão “ativismo societário” precisa ser bem compreendida. Ela, no contexto dos Estados Unidos, quer se reportar a uma especial disposição dos investidores, notadamente em companhias abertas ou Fundos de Pensão, para o interesse, a articulação e o movimento em relação à determinadas atitudes das companhias. Trata-se, sobretudo, de uma supervisão ativa que os investidores exercem quanto à observância de normas de governança corporativa.  Sabe-se da enorme assimetria de informações que separam o controlador do acionista minoritário. Ainda que o último deposite suas economias na empresa – por meio de investimentos diversos -, não exerce sobre ela qualquer domínio e nem sobre os atos de seus administradores. O ativismo, portanto, reequilibraria estas forças, pela presença de representantes dos minoritários nas assembleias, nos Conselhos e até mesmo na Administração das Empresas. Eles exercem um monitoramento atento ao que se passa na companhia por meio de análise de balanços, fatos relevantes e resultados. Não é uma postura de observação, mas de ação.

Com efeito, no 2018 Review of Shareholder Activism, publicado pela Harvard Law School Forum on Corporate Governance and Financial Regulation, nota-se que se trata de uma verdadeira indústria com força e impacto crescente sobre as empresas americanas. O número de companhias que foram atingidas, em 2018, por movimentos do ativismo chega a 226 e os montantes envolvidos a 65 bilhões de dólares.

Por primeiro, é preciso lembrar que, naquele país, as empresas de capital aberto são conhecidas como “companhias públicas”. Elas, enfim, captam a economia popular e, portanto, precisam corresponder, em termos de transparência e de boa gestão, à confiança da população.

Um segundo fato a se ressaltar é que também naquele mesmo exemplo, cerca de 65% da população é investidora na Bolsa. No Brasil, este número alcançou recentemente o seu recorde, aproximando-se a cerca de 1.000.000 (um milhão) de pessoas físicas. Tal representa apenas 0,5% do universo de brasileiros. A grandeza, portanto, da Bolsa de Valores como opção de investimento é enorme na América.

Em verdade, uma verdadeira indústria se organiza em prol dos acionistas minoritários e de sua influência na administração das empresas. Uma figura pouco conhecida e que possui um papel bastante importante é das Proxy Advisory Firms. Não são firmas de auditoria e nem de advocacia. Constituem-se em empresas especializadas em orientar os acionistas em tomadas de posição sobre as companhias, orientando votos, indicando representantes para a Assembleia e mesmo para os Conselhos de Administração. Seu papel é, desta forma, acompanhar detidamente o desempenho e a performance das organizações.

Um papel preponderante é exercido pelos próprios acionistas. Eles atuam em prol da coletividade e da regularidade do mercado, denunciando práticas ilícitas, recolhendo procurações e representando a “grande maioria dos minoritários” e de seus interesses. Não se trata, claro, de trabalho gratuito. Aliá, qualquer pessoa, cumprido certos requisitos, pode passar a representar coletividades de acionistas. Mas ele é, certamente, meritório, porquanto ainda que cuide de seus próprios interesses gera benefícios a todo o mercado, atribuindo a ele mais transparência, equidade e justiça.

Um detalhe importante é que o minoritário nem sempre – ou no mais das vezes – é uma pessoa física. Fundos de Pensão poderosos, grandes fundos de investimento e corretoras costumam diversificar seu patrimônio. Detendo várias fatias de empresas, nelas serão minoritárias e, portanto, capazes de exercer o ativismo.

É exatamente este tipo de ativismo que o Relatório de Harvard revela quando se refere ao Brasil no ano de 2018. Os casos, apontam a “campanhas” processadas em relação à Stone, à Oi e à Petrobras. Não se poderia deixar de comentar anteriormente o que ocorreu com o Grupo Saraiva e, em seguida, as arbitragens iniciadas em relação à Companhia Vale. Os valores, por óbvios, são vultosos na ordem dos bilhões de dólares.

Em termos de ativismo societário no Brasil, um caso que merece ser examinado separadamente é o que se funda no artigo 246 da Lei das Sociedades por ação (Lei n.6.404/76). Tramita atualmente no Rio de Janeiro uma ação judicial na qual um único acionista – por ter tomado a iniciativa – se habilita a receber muitos milhões da Companhia Braskem. Algo parecido, já se anunciou igualmente tendo como demandada a CCR Rodovias.

No Brasil, contudo, o termo “ativismo” é um pouco contaminado. Ele parece apontar para algo exagerado ou além da medida. Costuma-se   empregar com uma conotação vinculada a atividades político-partidárias de caráter de movimento social (sem terra, sem teto, estudantes…). Ou, por outro viés, refere-se a uma tendência judicial que se entende capaz de constituir normas para situações concretas (não apenas interpretá-las ou aplicá‑las) e que tem sido objeto de frequente crítica por agravar a insegurança jurídica. Nenhuma destas acepções, contudo, é justa quando se anexa o vocábulo “societário”. Vimos, perplexos e sonolentos, o patrimônio de milhares de pessoas esfarelar-se em Companhias que eram regulares e supervisionadas pelos órgãos próprios do Estado. O nosso “ativismo societário”, assim, está muito longe de ser extremista. Mesmo assim, em terras tupininquis, talvez fosse mais sonoro falarmos em “articulação societária”.

Com o cenário econômico de juros baixos e de um novo modelo previdenciário em vista, somado a uma tração política de liberalização da economia e de privatizações, parece que o país ruma, enfim, ao capitalismo. Se tal se confirmar, precisaremos de pessoas e de instituições capazes de ativar os acionistas, retirando-os do marasmo que permitiram toda a sorte de abusos, danos e prejuízos aos investidores por décadas.

Guhan Subramanian – o professor da Escola de Direito e da Escola de Negócios de Harvard – ensina que a governança corporativa ainda merece ser melhor definida. Mas, sem dúvida, ela passa pelo papel ativo dos acionistas. Ele fez mais: cruzou a ponte – às vezes tão distante e até inexistente – entre os interesses protegidos dos acionistas minoritários (direito) e as prerrogativas negociais dos controladores da companhia (negócio). Se bem sintonizados, ambos, melhoram performances, resultados e dividendos, inclusive para o conjunto da sociedade.

 

O chamado “ativismo societário” ou, como preferirmos, a “articulação societária” é uma nova e instigante fonte de ação para garantir que o mercado seja mais regular e saudável para todos. Não há governança corporativa sem a participação ativa dos principais interessados.

 

Você, talvez, não tenha ouvido ou lido nada do Prof. Subramanian e nem, tampouco, conhecido o ativismo. Mas, se vive num país de juros baixos, você ainda conhecerá a “articulação societária’.