Como funciona a Arbitragem para acionistas minoritários ?
Eduardo Silva da Silva.
Árbitro. Professor Universitário. Membro da Commission on Arbitration & ADR of International Chamber of Commerce (ICC Paris). Doutor e Mestre em Direito pela UFRGS. Sócio do Dispute Resolution Office e Presidente do Instituto Empresa.
eduardo@disputeresolutionoffice.com
O presente texto é de caráter objetivo e meramente informativo. Nasce de uma necessidade: esclarecer os participantes do mercado sobre o efetivo funcionamento da Arbitragem para acionistas minoritários.
Campanhias, Diretorias, Conselhos, Corretoras, Auditorias, Controladores, todos, são considerados participantes do Mercado e, portanto, sujeitam-se a algumas normas que o conformam e o organizam. Um dos pilares desta arquitetura é de que o financiamento privado das empresas, pela captação de recursos da economia popular, deve proteger o investidor. Notadamente quando ele se caracterize como minoritário. E, ainda mais, quando este acionista seja uma pessoa física, que vencendo os sempre insaciáveis apelos do consumo decide aportar recursos em uma companhia para, no futuro, obter a geração de renda e de patrimônio, expressos na valorização do papel, no pagamento de juros de capital próprio e de dividendos.
Posto este princípio – o da proteção legal do minoritário – há que se constatar que, na prática, isso nem sempre se materializava.
Casos recentes ilustrariam este fato. Vê-se de tudo e vê-se quase todos os dias. Desde o clássico conflito de interesses entre controladores e minoritários, passando por alegadas fraudes contábeis, auditorias imprecisas ou, mesmo, a suposta manipulação de informações e de notícias, gerando estados de ânimo e de decisão equivocados no pequeno investidor, distante do que acontece nos bastidores e nas antessalas das grandes operações.
Estes escândalos corporativos e os danos decorrentes não são uma singularidade brasileira. O que dramaticamente nos distinguia era a inexistência de instrumentos eficazes para a correção destas distorções.
Tome-se um único exemplo: os prejuízos evidenciados nos balanços da Petrobrás em 2015, seja por má-gestão ou por corrupção, só puderam ser reclamados no Brasil por meio de arbitragem. Todas as tentativas de pessoas físicas e de associações de buscar o Judiciário foram barradas pelo próprio que, em boa hora, fez cumprir o Estatuto Social da Companhia e a prevalência da liberdade de escolha pela arbitragem.
Sabe-se pelos jornais que, neste momento (março de 2020), tramita arbitragem contra a petroleira brasileira, requerendo o ressarcimento por aqueles danos tidos como anômalos à regularidade do mercado e, assim, qualificados como indenizáveis. Lamentavelmente, neste processo, poucas são as pessoas físicas que serão beneficiadas, já que instaurado preponderantemente por grandes Fundos de Pensão e grupos altamente sofisticados de investidores.
A arbitragem é um meio privado de solução de conflitos de direitos tidos como passíveis de disposição. Em outras palavras: se os interesses em questão podem ser renunciados pelos seus titulares, eles potencialmente poderão ser discutidos fora do Judiciário. Há prevalências, por óbvio, de certas questões que de antemão são consideradas indisponíveis, como o interesse público ou as questões familiares. Mas, por isso mesmo, no campo dos negócios, dos contratos e das relações empresariais, a arbitragem encontra a sua grande vocação e o seu melhor emprego.
Esta estrutura mais aprimorada de superação de impasses impõe um custo maior e não dispõe de algo parecido como a assistência concedida aos mais pobres na via Judiciária. O que, agora, se pode comemorar e deve ser propagado, é que ela se torna mais acessível também ao pequeno acionista.
Fala-se de uma espécie de “arbitragem coletiva”. É uma construção derivada da doutrina e da prática, da sensibilidade das Câmaras de Arbitragem, dos árbitros e dos advogados. Se são milhares que possuem interesse em recuperar créditos de uma empresa que frustrou a confiança do investidor por meio de ilicitudes, as despesas se pulverizam numa forma espantosa, tornando-se até mesmo mais econômicas – na perspectiva de custo- benefício, eficiência e rapidez – que se lograria no Judiciário.
Essas agregações de interessados surgem com base na articulação de grupos de acionistas, reunidos em associações, Institutos ou escritórios especializados na gestão de conflitos privados.
Outro mecanismo é o financiamento por terceiros. Fundos específicos apostam no credit stress e no alto rendimento que tais demandas podem oferecer. O cenário de juros historicamente baixos estimula a busca por investimentos alternativos e campo dos litígios tem se demonstrado promissor. Onde, aliás, se poderá buscar, em dois ou três anos (um tempo médio para uma arbitragem complexa), resultados superiores a quase 50% do capital investido ?
O financiamento do litígio por um terceiro gera uma série de benefícios também ao minoritário. Já tendo amargado prejuízos no valor de suas ações ou de suas debêntures, a arbitragem pode ser iniciada sem que tenha que realizar qualquer desembolso de valores. O risco de uma eventual derrota no processo também é repassado ao financiador. Mas, como quem cedeu o dinheiro tem interesse em reavê-lo, é comum que o fundo também ceda seus melhores advogados, peritos e especialistas para acompanhar a demanda, qualificando assim, a capacidade de as teses dos acionistas minoritários serem privilegiadas na decisão dos árbitros. Justiça é reequilíbrio de forças e, na arbitragem dos minoritários, ela é recomposta.
Por óbvio, o investidor requer que a demanda seja qualificada e as chances ao menos promissoras. Para tanto, escritórios especializados na gestão de conflitos preparam dossiês que analisam todos os ângulos da disputa. E, pelo risco que for estimado, o financiador cobra percentuais do êxito que podem orbitar entre 20 a 40 % do valor do futuro benefício.
O minoritário sempre teve, em tese, a proteção da lei. Mas nunca conseguiu exercê-la plenamente. Sendo a arbitragem a forma mais racional para solucionar disputas no mercado, agora, enfim, ela chega aos pequenos. Empregá-la, sem dispêndio, risco ou preocupações, por meio de uma parcela de um crédito que já se encontrava perdido e sepultado, parece um negócio que faz sentido e garante justiça.