“Startup Style”: a mudança na organização das empresas.

Startup Style: a mudança na organização das empresas.

Eduardo Silva da Silva. Trecho do livro “A recuperação do prejuízo dos acionistas”, disponível em www.amazon.com.br, janeiro de 2020.

 

 

Lembro de um colega que sempre desconfiou. Desconfiava de tudo e de todos. Desconfiava quando podia confiar e desconfiava ainda mais quando, de fato, não tinha fundamentos para acreditar. Era lógico, portanto, que ele não confiasse em internet banking quando estes sistemas ainda eram uma grande novidade.

Anotava em caderninhos, quase que diariamente, seus saldos bancários e de investimentos (por investimentos, leia-se, por óbvio, a boa e velha poupança). Não fizera cadastro no banco digital e jamais descera qualquer aplicativo e, por isso, sentia‑se seguro. Hackers, vírus e fraudes eletrônicas não o alcançariam.

Ocorre que – belo dia -, foi ao banco conferir saldos. E, para sua surpresa, constatou saques: na Bahia. Gaúcho, não havia saído do Rio Grande do Sul naqueles últimos meses.

O banco demorou algumas semanas para reconhecer a clonagem de seu cartão e assumir a própria responsabilidade, recompondo os valores subtraídos. Mas, restou a lição que o fato de ignorar a tecnologia não o livrou de seus problemas ou de suas vantagens. Afinal, o banco acabou por reconhecer que seus registros eletrônicos de consumo em Porto Alegre eram incompatíveis com aqueles ocorridos simultaneamente em Salvador.

Algo muito próximo parece acontecer com o modelo de negócios e de organização empresarial advindo das startups. Muitas empresas de perfil tradicional querem desconhecê-lo ou enclausurá-lo a um setor da economia. “Isso é coisa de nerds e do pessoal da TI (tecnologia da informação)” podem dizer alguns. Mas não é. Nos alcança a todos.

O modelo startup já chegou até nós massiva e indistintamente pelos transportes (Uber, Cabify), na alimentação (Rappi, Ifood) e mesmo no setor financeiro (Nubank, Inter). O modelo de organização destes negócios, é, em alguma medida, tão inevitável quanto o uso do internet banking. E, queiramos ou não, sofreremos seus efeitos.

As startups são, essencialmente, abertas ao desafio de inovar e de fazê-lo de forma disruptiva. Rompem, portanto, com fluxos mais ou menos esperados de desenvolvimento de produtos e de serviços. Ignoram as lógicas até então definidas pela prática ou pelas escolas acadêmicas. Agem, geralmente, sem medo ou pudor. E, como, em alguma dose, inovação rima com transgressão, sempre possuem um componente um tanto quanto rebelde. Ao menos quando comparando-se com os padrões negociais e com a normas que possuem uma inspiração normativa, bastante antiga como o Código Civil.

Há muito sendo escrito sobre as startups. E também sobre a influência delas na sociedade. Mas, no limite do presente texto, quer se ressaltar que a nova empresa e, portanto, o Societário 2.0, não poderá desconhecer deste movimento.

Primeiro, queiramos ou não, inovar parece obrigatório para quem queira subsistir no mercado. A identificação de formas mais práticas, baratas e funcionais de prestar serviços, fornecer bens, além de produtos, é o grande motor das startups. Note‑se, assim, a contemporaneidade da atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A iniciativa da Instrução CVM n. 588/17, de fomento do crowdfunding espelha bastante esta direção. Trata-se de captar, na economia popular, recursos para viabilizar e ampliar pequenas startups. Convém ressaltar que, por exceção, estes investimentos não precisam estar previamente cadastrados junto à CVM, desde que operados pelas plataformas que se submeteram a este crivo. O valor de captação, para segurança dos investidores, também é limitado.

Em um segundo ponto, há que se olhar para o DNA das startups. Se o resultado é inovação, o processo é o de simplificação. As estruturas se mostram mais enxutas e dinâmicas. Do ponto de vista da governança, as decisões são tomadas, em regra, de forma mais rápida, garantindo atualidade das novas posições negociais.

Um outro aspecto convém ser ressaltado. De uma maneira bastante ampla, a startups possuem uma vocação para o mundo. Internacionalizar-se é quase um chamado natural. E há acerto nesta perspectiva, quando se vê que o gigante chinês, por exemplo, não possui limites territoriais para o seu mercado. Queira-se ou não o mercado e a concorrência já são mesmo globais.

Sem dúvida, as startups, mesmo as que chegaram à categoria de unicórnios, são ainda muito novas. Há muito a se testar e a se provar. Mas, também, a aprender com elas. Apetite para inovação, tolerância ao risco, além de capacidade de simplificar processos e adotar mecanismos adequados de governança são algumas das lições. Não será suficiente evita-las e ignorá-las para que desapareçam ou para que não engulam as estruturas tradicionais. Elas estão mudando tudo. O modelo tradicional das empresas também está sendo afetado. E isso a interessa a todos.